Desrreguladores endócrinos
Desrreguladores endócrinos (ou disruptores endócrinos) são substâncias que podem interferir na função do sistema endócrino (hormonal). Eles podem interferir em diferentes momentos da função hormonal, como: na produção, liberação, transporte, metabolismo, ligação e sinalização nas células-alvo ou eliminação dos hormônios do corpo. Ou seja, os desrreguladores endócrinos têm o potencial de alterar o delicado equilíbrio hormonal que rege nosso organismo.
Onde os desrreguladores endócrinos são encontrados?
Essas substâncias podem existir de forma transitória em nosso ambiente ou corpo. Já outros disruptores endócrinos são capazes de permanecer estáveis e atuantes por muitos anos no meio ambiente e no corpo humano. Eles podem contaminar o ar, água, comida, solo e os organismos dos quais nos alimentamos.
Os desrreguladores endócrinos existem tanto na forma sintética (ou seja produzida pelo homem) quanto podem ser encontrados na natureza.
Desrreguladores endócrinos naturais: estão presentes na natureza principalmente na forma de fitoestrogénos (derivados de plantas) e são semelhantes à molécula de estrógeno. São encontrados em vegetais como a soja (flavonóides). Por isso, o consumo de soja e seus derivados deve ser orientado pelo pediatra de seu filho para que não haja exagero no consumo de fitoestrógenos. Outros desrreguladores endócrinos são produzidos por fungos que podem estar em grãos como, por exemplo, o milho e trigo.
Desrreguladores endócrinos sintéticos: a maioria dos disruptores endócrinos preocupantes são fabricados pelo homem e sua presença e persistência em nosso meio aumentou de forma considerável com o predomínio dos processos industriais. Alguns deles são:
– compostos organoclorados em geral, presentes em inseticidas;
– dioxinas, resultantes de vários processos industriais, como produção de herbicidas, incinerações e produção de PVC;
– DDT (inseticida) e seus derivados;
– bisfenóis como o famoso bisfenol A (BPA), presente em plásticos e resinas;
– ftalatos, presentes em brinquedos, detergentes, óleos lubrificantes, esmaltes, shampoos, cosméticos, cortinas de plástico, adesivos, materiais médicos, perfumes, fragâncias, entre outros;
– vários tipos de herbicidas e inseticidas, como a atrazina;
– parabenos, muito utilizados nas indústrias de cosméticos e medicamentos;
– triclosan, um bactericida utilizado em produtos como sabonetes, pasta de dentes e produtos para o cabelo;
– alguns tipos de plástico;
– contraceptivos orais de altas doses como o da “pílula do dia seguinte”.
Como os desrreguladores endócrinos exercem seus efeitos?
Os disruptores endócrinos podem alterar o sistema endócrino de várias maneiras. Alguns químicos imitam o hormônio natural, “enganando” o corpo e estimulando uma reação. Outros podem bloquear o efeito dos hormônios produzidos pelo corpo ou até mesmo influenciar na produção dessas moléculas sinalizadoras. Por exemplo, alguns tipos de disruptores endócrinos, chamados xenoestrógenos, são capazes de imitar o estrógeno e atuar no corpo como se fosse esse hormônio.
Os disruptores endócrinos têm o potencial de causar danos e alterações em todos os processos que envolvem ação hormonal. Sabendo que o corpo é regido por hormônios, a presença e persistência dos desrreguladores endócrinos é bastante preocupante.
A ação do desrregulador endócrino dependerá do seu modo de ação e quais tecidos são alvos de sua ação. Por exemplo, desrreguladores que se assemelham ao estrógeno agirão em processos e tecidos sensíveis à estrógeno, como a puberdade, útero, mamas e vários outros tecidos.
Existe algum momento da vida em que estamos mais susceptíveis e vulneráveis à ação dos disruptores endócrinos?
Vários estudos mostram que a exposição das crianças durante a gravidez e a infância aos desrreguladores endócrinos podem levar a alterações endócrinas importantes.
Por exemplo, alguns tipos de disruptores podem agir nos órgãos sexuais e tecidos sensíveis aos hormônios sexuais. Além disso, alguns desrreguladores endócrinos são capazes de influenciar os neurônios de regiões do cérebro que regulam o desenvolvimento da maturação sexual. Portanto, essas substâncias podem alterar processos importantes para a o desenvolvimento sexual do feto, da criança e na puberdade.
Porém, a situação é mais complexa que isso: a fase peripuberal e a adolescência é um período de muitas alterações hormonais, que vão além da ação dos hormônios sexuais estrógeno e testosterona. Outros processos como a liberação de progesterona, esteróides, hormônios da tireóide, insulina e o acúmulo de gordura em diferentes partes do corpo também podem ser influenciados pelos desrreguladores endócrinos.
Qual a influência dos desrreguladores endócrinos sobre a puberdade?
Os disruptores endócrinos podem causar tanto o atraso quanto a antecipação da puberdade.
A maturidade sexual feminina, por exemplo, é uma balanço entre estímulos de estrógenos e a inibição por andrógenos. A puberdade precoce, portanto, pode ocorrer devido à um distúrbio nesse equilíbrio.
O aparecimento da puberdade tem sido mais precoce entre as meninas. De um século para cá, a idade de início da puberdade passou de 16-17 anos para 13 anos. Médicos e pesquisadores reconhecem que a presença constante de desrreguladores endócrinos em nosso ambiente e no que ingerimos podem estar contribuindo para o aumento da puberdade precoce em meninas.
Vários estudos científicos em animais mostram que o efeito de xenoestrógenos contribui para a maturação sexual precoce em fêmeas. Em outros casos, os experimentos demonstram que os desrreguladores endócrinos alteram de forma significativa o funcionamento dos órgãos sexuais e outros tecidos que controlam a puberdade.
Para exemplificar vamos falar dos efeitos dos ftalatos na puberdade precoce em meninas. Os ftalatos são amplamente utilizados desde 1930. Eles são acrescentados aos plásticos para dar maior flexibilidade, transparência, durabilidade e longevidade. Consegue pensar em algum plástico que possua essas características? Por isso, eles estão presentes em uma variedade muito grande de objetos e produtos de nosso dia-a-dia. Os ftalatos se soltam facilmente desses materiais, por agitação, alta temperatura ou até mesmo por armazenamento prolongado. Ou seja, estamos em contato constante com os ftalatos através da inalação, ingestão ou contato pela pele. Os ftalatos se comportam como moléculas análogas ao estrógeno e, por isso, podem estimular os tecidos responsivos ao estrógeno. A exposição aos ftalatos, portanto, imita a exposição natural aos estrógenos do corpo. Assim, em quantidades e em períodos da vida inadequados, os ftalatos têm potencial de contribuir para o aparecimento precoce da puberdade, que depende de sinais efetuados pelo estrógeno em diversas partes do corpo.
E por que que, quando se fala de desrreguladores endócrinos e puberdade precoce, se fala mais desse fenômeno em meninas do que em meninos? Porque a maior parte dos disruptores endócrinos persistentes em nosso ambiente e nosso dia-a-dia são imitadores de estrógenos ou interferem nas vias metabólicas influenciadas por esse hormônio.
Apesar da grande quantidade de evidências de que os xenoestrógenos causam a puberdade precoce em animais fêmeas em laboratórios, os estudos que comprovam essa causalidade em seres humanos são mais complexos e controversos. Ou seja: não existem evidências diretas, concretas ou incontestáveis de que os xenoestrógenos contribuem para a puberdade precoce em meninas.
As principais evidências em seres humanos vêm de estudos de crianças que passaram a infância em países pobres, com grande exposição ao DDT (um inseticida xenoestrógeno). Essas meninas possuíam altos níveis de um derivado do DDT, o DDE, no sangue, e foram eventualmente morar em países mais desenvolvidos, antes de entrarem na adolescência. Os pesquisadores observaram que essas crianças entravam na puberdade mais cedo do que os colegas que viveram a vida toda nos países mais desenvolvidos. Devido à essa observação, e por outras situações semelhantes, os pesquisadores acreditam que a exposição aos desrreguladores endócrinos xenoestrógenos também interfira na puberdade precoce em humanos.
Como podemos evitar que os desrreguladores endócrinos atuem em nosso corpo?
É importante ressaltar que ainda não existem métodos de medição bem estabelecidos e confiáveis para verificar os níveis de contaminação com desrreguladores endócrinos no corpo humano.
Estar exposto ao desrregulador endócrino também não significa que a pessoa desenvolverá alguma doença.
Além disso, não estão estabelecidos quais são os níveis seguros desses químicos no meio ambiente, água, solo, ar, comida. Os níveis seguros para o humano também são desconhecidos, já que os diferentes tecidos e órgãos do nosso corpo podem responder de maneira diferente à esses contaminantes.
Para complicar, o efeito dessas substâncias pode variar de acordo com o tempo de exposição ao disruptor, o gênero, a idade e o estado e saúde dessa pessoa.
Como é impossível impedir a presença desses desrreguladores em nossa sociedade industrial, devemos estar atentos e minimizar a exposição à essas substâncias. Abaixo algumas dicas de como você pode fazer isso por você e seus filhos:
– Estamos cercados de produtos com disruptores endócrinos e cabe a nós nos informarmos sobre o efeito deles;
– Habituar-se à leitura de rótulos dos produtos que consumimos e utilizamos, evita ou minimiza a exposição à esses químicos;
– Cuidados especiais devem ser tomados durante a gravidez e a infância, já que estudos em humanos e em outros animais mostram que esses são os períodos críticos de susceptibilidade aos disruptores endócrinos;
– Para evitar o contato com disruptores endócrinos na alimentação, compre de preferência alimentos de procedência conhecida e que utilizaram o mínimo de produtos químicos em seu cultivo ou criação, como os orgânicos;
– Caso seu orçamento não permita o consumo desse tipo de produto, considere fazer uma breve pesquisa na internet para saber quais são os alimentos mais contaminados com pesticidas e herbicidas e evitá-los;
– Escolha de preferência cosméticos, produtos de higiene pessoal e produtos de limpeza sem fragâncias, que possuem muito ftalatos;
– Reduza o consumo de comidas armazenadas em plástico ou latas;
– Substitua vasilhas, potes e garrafas de plástico por itens de vidro, porcelana e metal para armazenar e esquentar seus alimentos, especialmente os gordurosos. Muitos desrreguladores endócrinos são liberados dos plásticos quando esquentamos a comida no microondas;
– Se informe sobre a origem e de que material são feitos os brinquedos das crianças pequenas, pois elas manipulam e levam à boca constantemente os brinquedos de plástico. Procure por fabricantes de alguns países que têm regulamentos mais rígidos com relação aos produtos utilizados em brinquedos de plástico.
Essas e outras informações podem ser encontradas nas seguintes fontes:
Anne-Simone Parent e colaboradores. Capítulo: Current Changes in Pubertal Timing: Revised Vision in Relation with Environmental Factors Including Endocrine Disruptors. Livro: Puberty from Bench to Clinic, Editora Karger, 2016.
Françoise Paris e colaboradores. Capítulo: Precocious Puberty and Environmental Endocrine Disruptors. Livro: Early Puberty, Editora Springer, 2016.
Jean-Pierre Bourguignon e colaboradores. Contribution of the Endocrine Perspective in the Evaluation of Endocrine Disrupting Chemical Effects: The Case Study of Pubertal Timing. Revista: Hormone Research in Pædiatrics. Publicado em Janeiro de 2016.
Evanthia Diamanti-Kandarakis e Andrea C. Gore . Capítulo: Introduction to Endocrine Disruptors and Puberty. Livro: Endocrine Disruptors and Puberty. Editora: Humana Press, 2012.
Jean-Pierre Bourguignon e Anne-Simone Parent. Capítulo: The Impact of Endocrine Disruptors on Female Pubertal Timing. Livro: Endocrine Disruptors and Puberty. Editora: Humana Press, 2012.
Xiufeng Wu, Ningning Zhang e Mary M. Lee. Capítulo: The Influence of Endocrine Disruptors on Male Pubertal Timing. Livro: Endocrine Disruptors and Puberty. Editora: Humana Press, 2012.
Site da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (US-EPA). Disponível em: https://www.epa.gov/endocrine-disruption/what-endocrine-disruption
Site do Natural Resources Defense Council. Disponível em: https://www.nrdc.org/stories/9-ways-avoid-hormone-disrupting-chemicals